Juíza do Trabalho em Rondônia critica banalização das indenizações por assédio moral


Isabel Carla de Mello Moura Piacentini, titular da 5ª Vara do Trabalho de Porto Velho, rejeitou o pedido de indenização por assédio moral apresentado por um obreiro que alegou ter sofrido discriminação perpetrada por superior hierárquico por conta de deficiência física

Porto Velho, RO – O trabalhador que resolver ingressar com pedido de indenização por assédio moral na Justiça do Trabalho deverá estar muito bem respaldado caso a solicitação chegue às mãos da juíza Isabel Carla de Mello Moura Piacentini.

Piacentini é titular da 5ª Vara do Trabalho de Porto Velho e, recentemente, ao rejeitar um desses intentos, acabou deixando clara a sua insatisfação com a banalização dos pedidos de indenização por assédio moral e suas respectivas concessões.

A magistrada ainda fez questão de explicar de forma pedagógica, na própria decisão, a maneira correta de enquadramento nesses casos e como as vítimas deveriam agir.

Abaixo, sem explorar o mérito da ação, o jornal eletrônico Rondônia Dinâmica transcreve na íntegra a dissertação de Isabel Carla de Mello somente a respeito do pedido de indenização por assédio moral.

Os nomes dos envolvidos foram suprimidos e as passagens mais relevantes negritadas.

Confira:

“ASSÉDIO MORAL:

Sustentou o autor ser portador de deficiência física e, segundo ele, sofria assédio por parte do encarregado de segurança Sr. [suprimido], o qual, em conduta discriminatória se dirigia à sua pessoa como "mutante". Entende ter sido marginalizado, desrespeitado e alvo de atitudes preconceituosas e ações impiedosas, a par de desenvolver seu trabalho com afinco, uma vez que o referido senhor dava vazão a condutas discriminatórias, em detrimento do potencial e capacidade do obreiro, privilegiando os impedimentos e aparência, e lhe atribuindo apelido pejorativo.

No decorrer da fase instrutória, o reclamante, além de tudo dito na petição inicial, afirmou que o referido senhor andava armado, com uma pistola na pochete, e dizia que com ele tudo se resolvia "na bala".

Apesar de a testemunha do reclamante ter afirmado que o mencionado senhor [suprimido] não dava um bom tratamento aos trabalhadores, também quanto a essa informação, não se reveste de coerência o seu depoimento.

Veja-se que, inicialmente, disse a testemunha ter visto o senhor [suprimido] dizendo para o reclamante "vou mandar esses deficientes todos embora, essas pragas". A seguir, ele disse ter visto esse fato no mencionado dia em que o reclamante trabalhou pela manhã. Mais adiante, contraditoriamente, disse ter havido uma confusão entre o reclamante e o senhor [suprimido], o que foi por si presenciado, mas informou ter isso ocorrido num dia de domingo, pois, também contrariamente a uma das informações por ele prestadas, na verdade, acabou por reconhecer que não trabalhava junto com o reclamante.

Ora, se a testemunha e o reclamante não trabalhavam juntos e o reclamante trabalhava inclusive no horário de descanso da testemunha, como poderia ver o senhor [suprimido] praticar reiterados maus tratos contra o reclamante?

Até seria possível ter presenciado a confusão entre ambos no dia de domingo, destinado a folga, quando todos, reclamante e testemunha não tinham trabalho a desempenhar, mas, nenhum outro detalhe maior e mais contundente relatou a respeito da mencionada confusão. Ademais, o reclamante saiu da empresa em dezembro de 2015 e passados seis meses ajuizou esta demanda postulando indenização por dano moral, decorrente de maus tratos, mas nenhuma linha sequer falou na inicial a respeito de ameaças com armas, fato que estaria revestido de relevância suficiente para merecer destaque e até mesmo a adoção de providências paralelas, como registro de Boletim de Ocorrência, o que não se constata tenha sido feito.

O tratamento por meio de apelidos é comum no ambiente laboral, principalmente em canteiro de obras, com inúmeras homens trabalhando em total descontração e informalidade.

Embora muitas vezes pareça tênue a divisa que separa a austeridade da humilhação, tenho que para restar configurada a segunda, e, por consequência o assédio de ordem moral, há que restar comprovada a má intenção, a vontade de perturbar, de causar incômodos e desrespeitar a dignidade humana, como ocorre em casos de racismo e outras espécies de discriminação ou exploração.

Não se pode entender que o reclamante, ao ser chamado de "mutante" (se é que foi) era discriminado por sua condição física, diga-se de passagem sequer perceptível em audiência, porque não raras vezes alguma característica física é adotada em apelidos, sem com isso estar se agindo de forma discriminatória.

Preponderante é, pois, a efetiva intenção de humilhar. Dissabores e rigores, ainda que muitas vezes até mesmo permeados por desentendimentos, não podem, por si só, originar indenizações de ordem moral, as quais vêm cada vez mais sendo banalizadas judicialmente.

Para caracterizar o dano moral é necessária a prova da ocorrência de agressão, vexame, humilhação e ofensa que levem a um sofrimento capaz de romper o equilíbrio psicológico da vítima, de forma significativa.

Nenhuma marginalização restou comprovada nos autos e, como dito, tratamentos por meio de apelidos e cobranças não extrapolam o limite de tolerância que se deve ter aos acontecimentos corriqueiros existentes no ambiente laboral, não sendo, a meu ver, suficientes para autorizar a concessão de reparação por dano moral.

Claro que o reclamante e todos os demais funcionários um dia seriam mandados embora, pois a obra estava por finalizar, mas não se verifica que a despedida tenha qualquer relação com algum tipo de discriminação, não se vislumbrando grave abalo à personalidade moral.

Entender como caracterizado esse tipo de dano em circunstâncias como aquelas aqui postas em discussão, com imposição de pagamento de vultosas indenizações, acaba por se tornar um estímulo indireto, pois, em tempos difíceis como os atuais, pode chegar a ser "vantajoso" sofrer algum tipo de perturbação no trabalho, frente a possibilidade de depois haver uma excelente compensação financeira, já que um trabalhador com a média salarial nacional, dificilmente atingiria a cifra de, por exemplo, R$10.000,00 ao ano, somente com as verbas rescisórias e contratuais.

Veja-se que, sendo o FGTS recolhido na proporção de 8% ao mês, ao final de um ano, o trabalhador terá no Fundo cerca de um salário seu, mais um décimo terceiro salário, mais um terço de férias, o que ainda fica muito distante das indenizações por danos morais, as quais, portanto, não podem ser supervalorizadas, tampouco concedidas indistintamente, por discussões, diga-se de passagem, não raras vezes advindas do poder organizacional e disciplinar, que vem sofrendo cada vez mais resistências por parte dos trabalhadores, a confundirem os conceitos de danos morais, acreditando estarem "seguros" e amparados pelo manto do Poder Judiciário, que imporá o pagamento em pecúnia.

Sim, abusos devem ser coibidos, repudiados e indenizados, mas há também abusos de direitos, extrapolação da esfera do bom senso, do tolerável, da consciência de que as relações interpessoais podem conter divergências, dissensos e até muitos incômodos, sem que, necessariamente, sejam todos eles assédios morais.

Houve diversos momentos na história do Brasil e do mundo em que reinou a arbitrariedade, a exploração do homem pelo homem, a força do capital sobre o trabalho. A evolução social foi repelindo vários abusos até que se chegou ao ponto de, acertadamente, passar a haver a previsão legal da possibilidade de indenizar toda espécie de dano causado a outrem, inclusive de ordem moral.

Porém, a partir de então, lamentavelmente, passou a haver a "enxurrada" de ações judiciais pretendendo o pagamento de danos morais pelos mais diversos motivos, decorrentes de ações e omissões, muitas delas já com penalidades legais previstas, mas que buscavam, paralelamente, a indenização por dano moral.

A subjetividade humana é muito vasta e dá margem às mais diversas interpretações e ilações, mas, nas relações interpessoais no ambiente de trabalho, há que se entender, ter a consciência e maturidade, que há pessoas com os mais diversos perfis: ansiosos, impulsivos, reservados, tímidos, "frios", indiferentes, irônicos, brincalhões, sensíveis, sérios; enfim, muitas facetas há na humanidade. Inaceitáveis são os comportamentos decorrentes de sarcasmos, maldades, discriminações e humilhações, mas todos os conceitos devem ser adequadamente utilizados, porque nem toda ordem emanada severamente, nem toda linguagem chula ou informal, nem toda inflexibilidade do superior hierárquico, significa necessariamente um assédio moral.

O verdadeiro assédio moral torna insuportável qualquer relação, ainda que se necessite do emprego. Modernamente, ninguém se submete a algo tão danoso silenciosamente, ao ponto de pleitear a reparação somente depois de rescindido o contrato por iniciativa do empregador, pois, o empregado poderia, inclusive, pleitear a rescisão indireta do contrato de trabalho, se inegavelmente assediado e os trabalhadores têm plena noção de seus direitos, mesmo os mais humildes.

Tal modalidade de rescisão permite ao trabalhador ter acesso a todas as verbas como se despedido pelo empregador fosse e ainda pode se habilitar ao recebimento do seguro-desemprego, se preenchidos os requisitos para tanto, de modo a haver tempo suficiente para pleitear nova colocação no mercado de trabalho sem com isso passar por necessidades, até porque permanecer em ambiente de labor emocionalmente doentio, causaria muito mais prejuízos.

Destarte, não é de bom alvitre conceder indenizações por danos morais em circunstâncias em que além de não restar sobejamente demonstrado o dano, percebe-se não ultrapassarem a fronteira das desavenças a antipatias, aliadas às características da personalidade de cada um dos envolvidos.

Nem se diga que a inserção de cláusula convencional destinando tópico específico ao assédio moral traz, necessariamente, presunção das queixas dos trabalhadores, pois, poderia muito bem, de outro norte, pretender uma real conscientização e discernimento daquilo que realmente se configura dano moral, diante de tantos questionamentos muitas vezes desarrazoados e desproporcionais, necessitando-se um melhor esclarecimento a respeito dos conceitos do verdadeiro assédio moral e hipóteses de sua efetiva configuração.

Desse modo, não entendo comprovado o alegado assédio moral, indeferindo o pedido de indenização por danos morais".

Rondônia Dinâmica

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