Comportamento: Abusos no trabalho

Empresários e gestores precisam estar atentos para as características do assédio moral no ambiente de trabalho

Por Camila Gadelha

Diminuição da produtividade, desmotivação, falta de interesse e medo podem ser resultado de humilhações repetitivas e outras condutas abusivas sofridas no ambiente de trabalho. Tais situações consistem na prática de assédio moral, que pode ser entendido como exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. São mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, nas quais predominam condutas negativas e relações desumanas de longa duração, de um ou mais chefes dirigidas a um ou mais subordinados, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando a pessoa a desistir do emprego.

De acordo com o advogado e membro do Conselho Temático de Relações Trabalhistas e Sindicais da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), Adenauer Moreira, o assédio é comum nas relações interpessoais, mas quando esse comportamento acontece no ambiente de trabalho é necessária a regulação. O advogado aponta algumas características de fácil percepção que podem diagnosticar o assédio moral: “Para ser assédio moral, é preciso que haja vínculo empregatício e condutas abusivas repetitivas e com finalidade de exclusão e que causem danos”.

O assunto passou a ser mais discutido e conhecido após o lançamento do livro "Harcèlement Moral" (Assédio Moral), da psiquiatra e psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen. A obra foi traduzida em 24 países, suscitou debates na França e impulsionou a criação de organizações contra os abusos no trabalho.

“A primeira atitude a se tomar é identificar que realmente aquele comportamento constitui assédio moral. Muitas vezes, determinadas atitudes no ambiente de trabalho são confundidas com assédio moral”, alerta o advogado. Cobrança de metas cumpríveis, exercício do poder diretivo, explosão repentina de raiva, estresse, conflitos, más condições de trabalho e chefe exigente e meticuloso não são comportamentos e características de assédio moral, mas situações comuns de um ambiente de trabalho.

O assédio moral nas relações de trabalho pode ser de quatro tipos: vertical descendente, vertical ascendente, horizontal e misto. O primeiro tipo acontece quando um superior assedia um subordinado. O vertical ascendente se caracteriza pelo assédio do subordinado ao superior. Quando a situação de assédio ocorre entre colegas de trabalho da mesma hierarquia, ela é denominada horizontal. O quarto tipo, assédio misto, é caracterizado quando parte de colegas de mesma hierarquia e de chefes para subordinados e/ou de subordinados para chefe.

De acordo com as pesquisas de Marie-France, quase 60% dos assédios são verticais descendentes, 28% são mistos, 10% são do tipo horizontal e apenas 1% ascendente. Em 70% dos casos, é praticado contra mulheres. Com relação à idade, os mais assediados têm entre 46 e 55 anos. Em segundo lugar, a faixa etária de 36 a 45 anos e em terceiro lugar, pessoas de 26 a 35 anos. “Essas incidências em cada faixa etária refletem a estabilidade no emprego; por isso um maior índice de assédio”, explica Adenauer Moreira. “Os assédios acontecem, principalmente,  por religião, orientação sexual, racismo, doença, gravidez, representação sindical, revista pessoal e maus tratos.”

Consequências

No Ceará, o chefe de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, Luiz Alves de Freitas Lima, afirma que a maior parte dos assédios é por cobrança de metas impossíveis de realizar. Ele alerta para o fato de que as práticas de assédio moral também podem resultar em processos trabalhistas, de acordo com as circunstâncias.

Cada ator do assédio arca com consequências. A vítima pode ter desde sequelas físicas e psicológicas, prejuízos no convívio familiar e social, baixa autoestima pessoal e profissional, alta ou baixa de produtividade até pedido de demissão. O assediador é passivo de demissão por justa causa, responsabilidade patrimonial e até consequências criminais. Ao empregador, cabe o direito de despedir o assediador, o custo do absenteísmo, arcar com despesas de doenças profissionais, baixa de produtividade, rotatividade de mão de obra, possibilidade de acidentes de trabalho, danos a equipamentos, abalo na reputação da empresa e até responsabilidade civil pelo assédio.

Adenauer Moreira orienta que o empregador deve ter atenção quanto ao ambiente de trabalho da sua empresa. “É um assunto que exige atenção do empregador e dos funcionários com relação ao trato diário com as outras pessoas no ambiente de trabalho. Têm de prevalecer o líder sobre o chefe.”

O presidente do Conselho Temático de Relações Trabalhistas e Sindicais da FIEC, Jaime Bellicanta, acredita que o esclarecimento de gestores é o caminho. “É necessário esclarecer os gestores das empresas para que identifiquem e atuem da forma correta frente a uma situação dessas. Os gerentes e supervisores têm de estar bem treinados e esclarecidos quanto ao assunto”, conta.  Para Luiz Alves, são fundamentais a capacitação e o esclarecimento dos gestores. “No dia a dia, o empregador não está na empresa, mas é sua obrigação assegurar um ambiente de trabalho saudável”, afirma. O diretor financeiro da FIEC e empresário do setor da construção civil, José Carlos Braide Nogueira da Gama, destaca o papel dos profissionais de recursos humanos das empresas: “O trabalho deles é essencial para identificar os casos de assédio moral e levar a situação ao empresário, que não tem condições de estar durante todo o expediente na empresa”.

O advogado sugere algumas ações para coibir o assédio e/ou identificá-lo nas organizações: a criação de um código de ética e conduta, instalação de caixa de sugestões para denunciar casos de assédio, inserção de cláusula em contrato de trabalho que preveja que os prejuízos causados por um possível assédio que venha a cometer serão de sua responsabilidade e realização de campanhas de esclarecimento são atitudes que podem diminuir os casos de assédio nas empresas.

Legislação

A Constituição Federal prevê no artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. No caso de descumprimento desse artigo, ela garante que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. A Justiça do Trabalho se baseia nesse artigo, e também nos artigos 186 e 927 do Código Civil, para exigir reparação por danos morais, ou seja, o dano sofrido por quem sofreu assédio moral.

A pessoa que sofreu assédio no trabalho pode recorrer à Justiça e requerer indenização de danos materiais, em caso de perda de emprego e despesas médicas, e de danos morais, em caso de danos à honra, boa fama, autoestima e autorrespeito. O valor tem de ser proporcional ao dano e ao porte da empresa. O ônus da prova, de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é de quem faz a alegação.

No Brasil, não há legislação específica sobre assédio moral, segundo informa Adenauer Moreira, mas alguns projetos de lei estão em andamento. Um deles prevê o acréscimo do artigo 136 A ao Código Penal, para detenção de um a dois anos. Um outro pretende acrescentar o artigo 203 A ao Código Penal, para detenção de um a dois anos e multa. Há ainda um outro projeto de lei que tem o objetivo de acrescentar uma letra ao artigo 483 da CLT.  No âmbito estadual, o estado do Rio de Janeiro é pioneiro por ter criado uma lei específica sobre assédio moral. Em alguns estados também é comum incluir artigos sobre assédio moral nas convenções coletivas. No âmbito municipal, a quantidade de leis é maior, mas o Ceará ainda não conta com nenhuma. Aqui, apenas a convenção coletiva do comércio prevê criação de programas educativos para coibir assédio moral e sexual.

Carlos Gama afirma que é importante o empregador cumprir a legislação trabalhista para resguardar seus direitos. O empresário também alerta para a observação dos critérios de decisão do Judiciário em casos de assédio moral. “Temos de estar atentos para esse assunto. Mesmo que as alegações sejam, muitas vezes, improcedentes, significam custos para a empresa.”

No Ceará, de acordo com dados de Adenauer Moreira, o Tribunal Regional do Trabalho – 7ª Região vem registrando sucessivos aumentos de casos de assédio moral. Em 2004, foi registrado apenas um caso. Em 2005, foram quatro casos e, em 2006, 12. Já em 2007, chegaram ao TRT 15 casos. Em 2008, o Tribunal teve conhecimento de 24 ocorrências de assédio moral. No ano de 2009, houve 33 casos. Para os anos de 2010, 2011 e 2012 os números ainda não estão fechados, mas a tendência é que o crescimento continue.

Fonte: Sistema Federação das Indústrias do Estado do Ceará

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