O assédio moral no ambiente do trabalho deve ser criminalizado?

Por Vivianny Galvão

Estilo, costume de vida, organização social, tudo isso caracteriza a modernidade. Essa concepção surgiu na Europa a partir do século XVII. Historicamente, ajuda na reflexão do nosso tempo, dos rumos do hoje e do porvir. Esse processo, de analisar o passado e o presente, torna possível compreender os fenômenos sociais atuais.

A modernidade nos desafia a conviver com as diversas pessoas e situações decorrentes dos grandes avanços tecnológicos. Ao mesmo tempo em que nos apresenta a segurança, deparamo-nos com riscos. Vivemos com grandes contrastes. Os avanços das ciências melhoram a qualidade de vida humana, mas também nos expõem a perigos típicos da modernidade. Tomemos por exemplo as relações de trabalho. Comumente, com a falsa desculpa de um mercado competitivo, os empregadores submetem seus empregados a revistas íntimas. Outro exemplo são os celulares, meios de comunicação cada vez mais eficientes, que tornaram a vida cada vez mais dinâmica. Entretanto, esses aparelhos são facilmente “monitorados” por terceiros desautorizados, fato violador dos direitos inerentes a sua personalidade.

É imprescindível buscarmos sempre uma nova abordagem para os problemas que o novo contexto social apresenta. Pela Teoria Garantista de Luigi Ferrajoli, um sistema é mais garantista quanto mais próximos estiverem o grau de regulamentação e o grau de eficácia das normas. Este é o novo paradigma do constitucionalismo. O Brasil possui um extenso sistema de normas, seu grande desafio é buscar uma maior efetividade dos direitos fundamentais. Efetividade no sentido de observância da norma por seus destinatários.

Nessa conjuntura moderna, o assédio moral surge como uma violação aos direitos fundamentais. Em outras palavras, uma violência aos direitos inerentes à personalidade.

No Brasil, todos os dias os meios de comunicação denunciam agressões físicas e morais contra os trabalhadores: revista íntima, humilhações, assédio sexual, desvios de função, demissões arbitrárias, abusos de poder, etc. O mais grave é que os casos noticiados apenas representam uma pequena parcela dos episódios reais de violência.

Em 1998, a psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen concluiu suas pesquisas sobre o assédio moral, apresentando resultados estarrecedores. Os estudos serviram para alertar a justiça do trabalho sobre a real dimensão dos danos físicos e psíquicos decorrentes desses atos impostos aos empregados por seus superiores hierárquicos e colegas de trabalho e para a necessidade de reprimi-los.

Os índices assustadores de violência no ambiente de trabalho também provocaram tentativas de mudanças na legislação brasileira, sobretudo a criação de mecanismos capazes de punir o assédio moral com pesadas sanções indenizatórias impostas nas reclamações trabalhistas. Ocorre que, muitas vezes essas violações são tão graves que legitimam uma intervenção penal.

Busca-se na tutela penal uma resposta ao uso dessa força ilegítima contra o direito e a lei. Assim, ao criminalizar a violência nos conflitos cotidianos, reserva-se o uso exclusivo da força ao Estado, seu legítimo detentor, para que ele arbitre judicialmente todos os conflitos sociais relevantes juridicamente.

É inquestionável que os atos de violência moral, muitas vezes, ferem gravemente vários direitos fundamentais do ser humano, in casu, direitos inerente à sua personalidade. Nossa reflexão habita na forma com que essa criminalização deve ocorrer, a fim de que seja mais eficiente e mais harmoniosa com o princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal e da legalidade.

Sobre a autora

Vivianny Galvão

Mestra em Direito Público pela Ufal, membro do Laboratório de Direitos Humanos da Ufal, professora e assessora jurídica

Fonte: Jornal Web - Alagoas

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